Sábado, 17 de Abril de 2010
Os mitos do sexo na 3ª idade
Poucos conseguem conceber que os avós possam ter vida sexual. Mas podem. Tudo funciona, apenas num ritmo próprio.
Falar de sexo já não é necessariamente um tabu. No entanto, certos campos que muitos julgam não existirem são bem reais. Poucos conseguem conceber que os avós possam ter vida sexual. Mas podem. Tudo funciona, apenas num ritmo próprio.
«A sexualidade na 3.ª idade está cheia da mitos.» Esta é, por ventura, a ideia mais forte do discurso da Prof.ª Fátima Gameiro, psicóloga clínica, com mestrado na área da Sexologia e professora na Universidade Lusófona, em Lisboa.
No entanto, falar sobre sexo até se torna bastante fácil. O mais difícil é quebrar o gelo inicial, afinal, «convém não esquecer que, quando estes idosos eram jovens, a sexualidade era tabu. A forma como intervimos nesta população tem de ser completamente diferente».
Após essa fase inicial, após a explicação de que o sexo não se resume ao coito, existe uma abertura considerável para os idosos falarem sobre o sexo, relevando-se esta faixa etária como bastante participativa.
«Depois de se explicar o que é a sexualidade, que não é só o coito, quando abrimos esse campo ao carinho, aos afectos, ao estar com alguém, torna-se tudo muito mais fácil e depois, normalmente, os homens costumam dar o primeiro passo. Mas as mulheres também se envolvem bastante, fazem bastantes perguntas e contam algumas histórias», refere a especialista.
Depois de conseguir essa empatia que permite a confiança para verbalizar assuntos que eram reservados ao campo da intimidade, as questões e as dúvidas começam a vir ao de cima. Algumas perguntas revelam o quanto a sexualidade foi mantida refém da ignorância.
«Um grande mito que existe entre as mulheres é o de que ao não ter relações sexuais há muito tempo a vagina fechou. Faz parte daquelas crenças dadas como certas na cabeça dos idosos que não têm o mínimo fundamento. Outro é o de que as mulheres, quando enviuvam, não devem voltar a procurar um novo parceiro, enquanto que no homem é perfeitamente normal que o façam.
Numa outra vertente, e que suscita grande interesse, é o Viagra. Perguntam se podem ou não utilizar, quais as contra-indicações, se tiverem problemas cardíacos quais os riscos. Há uma grande curiosidade em relação a isto», diz Fátima Gameiro.
A sexualidade na 3.ª idade não deve ser encarada da mesma forma do que na adolescência ou em idade adulta. Não quer isto dizer que está pior, que será menos ou mais problemática.
Apenas tem de ser vivida de forma adaptada a uma nova realidade. Tudo está em condições de funcionar, apenas num conceito e ritmo próprio.
Existem alterações fisiológicas que não devem ser ignoradas e que podem ser identificadas, segundo a psicóloga, «no homem pela dificuldade em manter uma erecção, bem como o aumento de período refractário, enquanto que na mulher prende-se com a perda de elasticidade da vagina e uma menor capacidade de lubrificação vaginal».
«As alterações devem ser abordadas como algo normal. Assim, o que pode ser visto como um problema pode ser a base para uma boa solução. A maioria dos idosos tem tempo. Então, porque não viver a sua sexualidade com mais tempo? Dar mais atenção aos afectos, ao carinho e aos preliminares, o que tornará a sexualidade muito mais aprazível. É uma questão de saber viver a sexualidade com tempo e desfrutar dela», esclarece a nossa interlocutora.
Apesar de tudo, a sexualidade dos idosos deve ser tratada em duas frentes: dos idosos para fora e de fora para os idosos. A sexualidade é vista pelos idosos como reprodução e como eles não reproduzem, logo não faz sentido terem vida sexual, como muita da envolvência onde o idoso está inserido assume que a 3.ª idade não tem vida sexual. Essa envolvência pode ir desde familiares a profissionais de saúde ou simplesmente conhecidos ou amigos.
«Nós nascemos e morremos com sexualidade. Cada pessoa deve ser livre de viver a sua sexualidade respeitando-se a si, ao outro e a eles. Mas nunca conseguiremos trabalhar só com idosos se, à volta deles, existirem todos os tabus que existem.
É fundamental trabalhar com os idosos em relação à sua sexualidade, mas também trabalhar com a envolvência em relação à sexualidade dos idosos. Lembro-me de um caso de um senhor que morava num lar e estava a comentar com um outro uma situação da sua vida íntima. A auxiliar ouviu e aquela história passou a ser alvo de chacota por todo o pessoal do estabelecimento», recorda.
Toda a actividade sexual dos idosos existe. Desde o mais simples dos afectos, quer a dois ou sozinho, até à questão mais elaborada. Ao desmistificar certas ideias, será, eventualmente, mais fácil abordar questões mais relevantes, algumas até mesmo de índole de saúde pública.
«A 3.ª idade está a passar por um aumento de casos de SIDA. Isto deve-se ao facto de muitos destes homens procurarem outras pessoas porque, para ele e para a sua mulher, a sexualidade dela terminou quando esta deixou de poder ter filhos. Isto leva a que estes homens procurem viver a sua sexualidade com outras pessoas. Ainda por cima, é uma situação que não é verbalizada.
Existe é a tendência para projectarem num “amigo” as situações mais embaraçosas quando, na realidade, se referem ao próprio», conclui Fátima Gameiro.